Portugal ao Vivo: a reportagem, 20 anos depois
Nos dois primeiros dias de verão o estádio do Restelo recebeu o segundo Portugal ao Vivo, vinte anos depois da primeira edição (no antigo estádio José de Alvalade). Para o primeiro dia estavam reservados cinco lugares para bandas que "nasceram" após 1993: Miguel Araújo, Wraygunn, Deolinda, The Gift e Pedro Abrunhosa. No segundo dia, para além de Sétima Legião, Madredeus, Resistência e Xutos e Pontapés que participaram no evento anterior e os GNR também foram convocados para se juntarem à velha guarda.
As portas abriram às 16 horas e a brisa que se sentia no Restelo arrastou uma pequena quantidade de pessoas para esta celebração da música que se faz em Portugal. O ambiente estava muito agradável e a espera para o início dos espetáculos fez com que os visitantes fossem até à Solidárea; uma área onde várias instituições de solidariedade davam a conhecer o seu trabalho, expostos num grande palheiro que cobria a extremidade oposta ao palco.
Às 19 horas, o artista mais recente do festival; Miguel Araújo subiu ao palco para apresentar o seu único trabalho editado em formato físico em nome próprio (Cinco Dias e Meio). Sete Passos (Carolina) foi a balada escolhida para iniciar o seu concerto que teve como momentos altos "Fizz Limão", "Capitão Fantástico", "Os Maridos das Outras" e a sua versão de "Vocês Sabem Lá" (de Maria de Fátima Bravo). Por entre o Rock, o Pop e o Folk, Miguel Araújo entreteve o público com a sua boa disposição durante uma hora de espetáculo.
Paulo Furtado, líder dos Wraygunn deu inicio ao espetáculo à hora marcada com "Ain´t Gonna Break My Heart" e percorreu cada trabalho editado da banda. Apesar da entrada ter sido feita de modo tímido "She´s a Go Go Dancer" e "Don´t You Wanna Dance" (o mais recente single) fizeram as delícias dos presentes que soltaram uns pezinhos de dança entre o Rock e o Blues característico da banda. O alinhamento de ênfase ao último trabalho "L´Art Brut". A banda trouxe uma surpresa na bagagem; "All Night Love" teve a presença de Zé Pedro (dos Xutos e Pontapés) munido da sua guitarra e, para se aproximar ainda mais do público Paulo Furtado saltou para junto da modesta plateia inquirindo quem precisava de amor entoando "Love".
Após a missão bem sucedida dos Wraygunn que protagonizaram a banda sonora durante o pôr do sol eis que os Deolinda entram em palco com os rufares dos tambores de António Serginho e Sérgio Nascimento que antecederam "Não Tenho Mais Razões". Ana Bacalhau já aprendeu bem como domar públicos e "Seja Agora", "Um Contra o Outro", "Fado Toninho", "Fon Fon Fon", e "Movimento Perpétuo Associativo" são músicas que não deixam ninguém parado e fizeram a plateia cantar, dançar e soar durante a noite que começava a esfriar. No reportório apresentaram vários temas do seu Mundo Pequenino que foram muito bem recebidos tais como "Fiscal do Fado" (que funciona como um manifesto compilado de refrões de fados onde os Deolinda defendem o seu estilo musical), "Doidos" e terminou com "Musiquinha" pedindo a todos para abanar a anca. De modo triunfal a banda entreteve e bem durante uma hora de concerto dando lugar aos The Gift.
Sónia Tavares entrou em palco entre os seus 6 músicos que se alinharam e arriscaram numa versão de "The End Of The World" dos R.E.M. muito ao estilo de "Primavera" (último registo da banda) deixando todo o público expectante. Sónia sempre com o seu estilo exuberante que se alia à sua inconfundível e poderosa voz conquistou de imediato toda a atenção da plateia que explodiu com os vermelhos, verdes e azuis da RGB (projetados no ecrã). Após "Made For You" seguiu-se um desfile de hits: "Driving You Slow", "11.33", "Music" e junto com a “primavera" (título ao mais recente disco da banda de Alcobaça) e "Fácil de Entender" veio a voz do público que cantou cada palavra dos temas que dá. Após este momento efusivo veio um momento mais introspetivo, "Front Of" e o tema que atirou os The Gift para o estrelato: "OK! Do You Want Something Simple?" completamente reconstruída. Do álbum mais colorido da banda (Explode) foram recuperados temas como "The Race is Long" e uma versão curta de "The Singles" (cujo original tem 12 minutos de duração) que culminou com Nuno Gonçalves (membro e fundador da banda) a puxar pelo público. "In Repeat" foi a música escolhida para encerrar com chave de ouro o concerto e, Nuno Gonçalves volta às luzes da ribalta mostrando a sua manipulação do theremin (instrumento que emite sinais elétricos quando se aproxima uma mão do oscilador).
O relógio passava um pouco da meia-noite e meia quando os Comité Caviar (banda de Pedro Abrunhosa) entrou em palco. A euforia do público mostrava que o cantor era o mais esperado da noite e foi com "Viagens" que juntos partimos para um concerto cheio de recordações, ritmo e palavras de ordem. Para comandar a viagem o portista entrou com um casaco de estilo militar e como seria de esperar de óculos de sol. "Que Nunca Caiam as Pontes Entre Nós" foi a primeira balada que fez com que o público se transformasse num coro que se prolongou por muitas mais músicas. Abrunhosa afirma que Portugal atualmente está pior em relação à vinte anos atrás, quando o músico escreveu "Não Posso Mais…" que foi o primeiro de vários momentos de protesto e de descontentamento (a expressão "Sindicato dos Palhaços" fez-se ouvida em cada refrão, em defesa da polémica do Miguel de Sousa Tavares). A pedido do cantor todos os fotógrafos subiram ao palco porque segundo ele a festa seria feita no público. As baladas desfilaram por entre as músicas mais mexidas e o cantor homenageou por diversas vezes James Brown, fazendo uma mash up de "É Preciso Ter Calma" com "Get On Up (I Feel Like Being a) Sex Machine". "Socorro", "Eu Não Sei Quem Te Perdeu", "Rei do Bairro Alto", "Se Eu fosse Um Dia o Teu Olhar" e "Talvez F" foram temas que fizeram as delícias dos fãs e admiradores do músico que se mostrou incansável na sua articulação com o público (chegando a pedir uma máquina emprestada para o fotografar), usou palavras de esperança e apelou para não se viver no silêncio. O encore foi antecedido dos singles "Fazer o Que Ainda Não Foi Feito" e "Ilumina-me". Para finalizar o primeiro dia do festival o cantor transformou o palco num karaoke e acompanhou o público ao som do seu mais recente single; "Toma Conta de Mim" que antecipa o próximo álbum que será editado em breve. Alguns ainda ficaram à espera de um novo encore, contudo Pedro Abrunhosa despediu-se após 100 minutos de concerto, mostrando-se grato pela sua participação no evento e pelo público que presenciou o regresso do cantor aos palcos de Lisboa.
Para o segundo dia estavam reservadas a atuação de quatro bandas que marcaram presença na primeira edição do festival e, 20 anos depois voltaram a pisar o palco do Portugal ao Vivo juntamente com os GNR. O recinto estava bem mais e muitas t-shirts dos Xutos e Pontapés deambulavam pelo recinto.
E foi novamente à hora marcada que o palco do festival recebeu os "Sétima Legião". "O Baile (Das Sete Partidas)" serviu para o ajuntamento do público que se mostrou muito bem recetivo aos ritmos típicos da banda de Pedro Oliveira e Rodrigo Leão. O alinhamento foi uma compilação dos maiores sucessos da banda e, como seria de esperar a plateia recebeu euforicamente os "Sete Mares" e "Por Quem Não Esqueci", logo nos primeiros acordes acompanhando Pedro Oliveira do princípio ao fim. A banda envergou pela "Atmosphere" dos Joy Division e terminou a atuação com "Glória".
Os Madredeus trouxeram a sua mais recente vocalista; Beatriz Nunes que aparentava alguma timidez mas o seu poder vocal conjugou-se na perfeição com o cenário que se estava a viver no estádio do Restelo. Após a entrada ao som do "Paraíso" a cantora deu conhecimento que iria interpretar os clássicos mas também temas mais recentes da banda. "Haja o Que Houver", "A Vaca e o Fogo" e mais tarde "O Pastor" foram dos momentos mais bem sucedidos mas a primeira música dos Madredeus; "A Sombra" também passou pelo Portugal ao Vivo, acabando a sua apresentação com "Palpitação".
Rui Reininho entrou de forma elétrica ao som de "Sete Naves", cheio de vontade de dançar, cantar e partilhar a sua boa disposição. Mal deu as boas-vindas ao público já estava a comentar que tinha vindo de calças amarelas para não se notarem as nódoas dos ovos que lhe pudessem ser atirados. "Sexta-feira", "Morte ao Sol", "Las Vagas" foram as músicas que prenderam de todo o público aos GNR e deixaram todos a dançar e a cantar e serviram para confirmar que o reportório iria ser uma compilação dos hits da banda. "Asas", "Ana Lee" (que segundo Reininho é uma música propícia ao ato do beijo), "Video Maria" e "Dunas" (que foi falsamente como sendo a última música) fizeram as delícias da audiência. "Sangue Oculto", "Mais Vale Nunca" e "Quero Que Tudo Vá Pró Inferno" foram os temas que fizeram com que Rui Reininho e a sua banda se retirassem de palco de forma bem sucedida.
Os recém retornados Resistência entraram em palco com "Mano a Mano", mas foi com "Nasce Selvagem" que o público recebeu com um enorme aplauso Miguel Ângelo e Olavo Bilac, Tim, José Salgueiro, Fernando Júdice, Mário Delgado, Dudas, Pedro Joia, Pedro Ayres Magalhães e Fernando Cunha. O reportório agradou a miúdos e graúdos e em toda a arena se ouviam vozes a ecoar temas como "Fado", "A Noite", "Marcha dos Desalinhados" (temas originais dos Heróis do Mar, Sitiados e Delfins). Olavo aproveitou para dizer "Portugal, 20 anos depois e as coisas estão iguais"… "Naquele inverno" voltou a acender as palavras de ordem no Restelo, seguindo-se "Não Sou o Único" que serviu de aquecimento para os Xutos e Pontapés que se seguiam. Para o encore estava reservado "Timor" e os seus ritmos africanos.
Meia hora depois Tim voltou a entrar em palco mas desta vez com a banda que todos queriam ver; Xutos e Pontapés. O concerto inicia-se com a "Chuva Dissolvente, "Circo de Feras" e "Contentores" que fizeram com que o público ficasse a pedir mais hits e esquece-se o frio que pairava pelo estádio. Mas não só de músicas antigas vivem os Xutos e remataram com "Quem é Quem" e "Privacidade" (temas mais recentes da banda). "Perfeito Vazio" fez com que a plateia recupera-se o fôlego para o "Dia de S. Receber". "Ai Se Ele Cai", "À Minha Maneira", "Homem do Leme" e "Para Ti Maria" como não podia deixar de ser fizeram parte do concerto que terminou de forma gloriosa ao som de "Não Sou o Único" e "A Minha Casinha".
Após muitas palmas, vozes a ecoarem, saltos e danças é chegado o final da segunda edição do Portugal ao Vivo, onde houve lugar para palavras de esperança e música feita apenas por portugueses. Duas gerações diferentes de músicos animaram e aqueceram um público de todas as idades nas duas primeiras noites de verão. Ficamos à espera que o Portugal ao Vivo não permaneça no silêncio por mais 20 anos.
Fotos: Vic Schwantz
Texto: Bruno Silva
Inserido por Redação · 26/06/2013 às 1:22