Peter Murphy @ Coliseu dos Recreios: Rock com classe, pose e cerveja na mão


petermurphylisboaQuinta-feira à noite, num Coliseu em festa, o público lisboeta recebeu o homem forte dos Bauhaus. Peter Murphy celebra 35 anos de fundação de uma das mais emblemáticas bandas de pós-punk/art-rock do final dos anos 70, com Mr. Moonlight Tour. O alinhamento, esse, teve a honra de apresentar temas de David Bowie e Joy Division num concerto engrandecido pela sua postura de realeza.

A primeira parte ficou a cargo do power trio português Uni_Form, que voltou a assegurar o seu talento para "dar boa música" à audiência. Durante a pausa entre concertos, viam-se t-shirts pretas a passearem, de copo na mão e a dançar os temas selecionados pela nostálgica M80. Comentavam-se expectativas sobre a misticidade de Murphy, na expectativa de que o ídolo dos anos 80 se mantivesse em grande forma física.

Na casa de espetáculos longe de lotada, dá-se o apagão que recebe em palco um homem elegante, vestido de blazer, calças escuras e cabelo penteado para trás, com os ponteiros do relógio na hora certa. "King Volcano", do disco de 1983 "Burning from the Inside", faz as honras dos Coliseu, com palmas a comando do músico e cantada ao estilo trovador.

Acompanhado pelo super guitarrista Mark Thwaite, pelo versátil baixista/violinista Jeff Schartoff e Nick Lucero na bateria, Peter Murphy deu continuação à cerimónia musical com "Kingdom Coming" e a pesada "Double Dare", onde desfilou calmo por entre ecos gritantes.
"In the Flat Field", o tema homónimo do disco de estreia do rock gótico feito por Bauhaus, fez os fieis entoarem o refrão com o microfone do vocalista à mercê de Lisboa. Headbanging e saltos de grandes altitudes, mostravam que esta performance não era coisa para meninos. Entre o registo acústico e bateria num turbilhão, Murphy mostra 55 anos de vida mantidos no auge da sua competência.

De luz branca apontada à cara, numa coreografia em modo Tron, sobressai a alma do enérgico "God in an Alcove". Na iluminação cor de sangue, pintam-se as notas de "Boys", na qual o artista rodopia no centro do palco, e "Silent Hedges" ainda com o foco portátil a hipnotizar os músicos nos seus momentos de brilho.

Enquanto se fumavam cigarros às escondidas, outros aplaudiam a arte feita com brio, entusiasmo e uma essência única, mostrando que há vida para lá de Bauhaus. "Lisboa is so beautiful" antecede os primeiros acordes de "Kick in the Eye" com Murphy a tocar uma melódica e a oferecer uma dinâmica sonora maior. Casaco tirado e camisa transpirada à vista, não tiram o charme a "To Much 21st Century" numa viagem ao presente, com banda sonora do passado.

De guitarra ao peito canta a balada "A Strange Kind Of Love", do álbum "Deep" (1990), estendendo a passadeira vermelha para os deliciosos solos de violinos, interpretados por Jeff Schartoff, sob as luzes de máquinas fotográficas tiradas do bolso.

O barítono rouco, em delay, a crueza do som da guitarra e o sintetizador de casaco de cabedal vestido na bonita "Bela Lugosi’s Dead", fazem Peter Murphy levantar as suas asas de morcego, num voo térreo pelo cenário. Por entre mãos dadas, cabelos soltos e brindes entre amigos, atiram-se beijinhos em "Passion Of Lovers", ouve-se "She’s In Parties" e a melódica de serviço, o acutilante e estridente "Stigmata Martyr" com "Dark Entries" a completar o ciclo ruidoso.
Os incansáveis técnicos de palco, ajustavam cabos e instrumentos para que a locomotiva Bauhaus não se perca no alinhamento. Já com uma corda da guitarra rebentada de tanto rasgar, é em "Severance" – original da banda Dead Can Dance – que Peter Murphy encontra a sua faceta mais teatral. Deitado no chão, dramático, toca em sintonia com a banda australiana, presente nesse mesmo momento no primavera Sound do Grande Porto.

Sem grandes despedidas e conversas entre temas de entrega total, o músico deixa o palco para um pedido de encore pouco sofrido. "Subway" levou o rei Peter para trás de um teclado elétrico, com o público como maestro de um dos temas de Dust (2002). "Let me tell you a story" encaminhou Mr. Moonlight por "Cool Cool Breeze" cantado à capela, antes do letal motor de histerismo chamado "Ziggy Stardust". Bowie fez uma das melhores canções e persona da música, alguma vez existente. Acompanhado pela loucura dos presentes, Murphy mostra todo o seu encanto no momento alto da noite.

O ritual dos pés a baterem no chão do Coliseu, é praticado uma vez mais, numa esperança (algo) utópica de que Peter Murphy e a sua poderosa companhia regressassem pela segunda vez. "Spirit" soa a uma prenda de natal antes do tempo. Com a entrega da plateia, o cantor – agora descontraído e de t-shirt vestida – sente-se generoso e premeia o palco das Portas de Santo Antão com "Transmission". O momento real, altivo, que pôs toda a gente de pé, numa dança à Ian Curtis que só Peter Murphy conseguiria desempenhar. Numa ode ao rock feito entre os anos 70 e os loucos anos 80, o espírito Joy Division veio rematar uma noite em que o que realmente importa, é a música. "Obrigado Lisboa", terminou num sem fim de palmas, numa recusa de final de concerto e gratidão pela viagem no tempo.

Alinhamento:
1. King Volcano
2. Kingdom's Coming
3. Double Dare
4. In The Flat Field
5. God In An Alcove
6. Boys
7. Silent Hedges
8. Kick In The Eye
9. Too Much 21st Century
10. A Strange Kind Of Love
11. Bela Lugosi's Dead
12. The Passion Of Lovers
13. She's In Parties
14. Stigmata Martyr
15. Dark Entries
16. Severance (Dead Can Dance)
Encore 1
17. Subway
18. Cool Cool Breeze
19. Ziggy Stardust (David Bowie)
Encore 2
20. Spirit
21. Transmission (Joy Division)

Fotos: João Paulo Wadhoomall
Texto: Sara Fidalgo