Nick Cave & The Bad Seeds na MEO Arena: "Um Deus rebelde sem idade"
De punk rebelde a contador de histórias frágil ou intenso, Nick Cave converte cada vez mais fiéis à sua causa.
"Wild God" é um nome perfeito para Nick Cave, que do alto dos seus 67 anos continua elétrico, passional e com uma forma física invejável. Mas Wild God também é nome do último álbum do australiano, que dá mote a esta tour europeia, e que promove esta 17ª visita ao nosso país depois da passagem pelo MEO Kalorama em que ainda os álbuns de luto Skeleton Tree e Ghosteen (escritos após a morte de 2 dos seus filhos em poucos anos) ainda dominavam as setlists.
Veio acompanhado pelos seus Bad Seeds, onde pontifica o mestre druída dos sete instrumentos e companheiro de escrita Warren Ellis, e desta vez reforçado por um coro de gospel de 4 elementos e ainda o convidado Colin Greenwood dos Radiohead a substituir o baixista habitual da banda Martyn Casey (ausente por doença).
Numa MEO Arena praticamente esgotada, e após 30 minutos do pós-punk dos irlandeses The Murder Capital, a reforçada formação dos Bad Seeds entra em palco por entre aplausos fervorosos, ainda mais intensificados pela entrada do mestre de cerimónias da noite. Impecavelmente vestido e penteado, Nick parece ainda estar nos seus 30 anos e a ficar cada vez mais novo, talvez por puxar toda a energia de um público que, já referiu várias vezes, o salvou primeiro da heroína e depois da tristeza da morte de dois filhos.
"Frogs", "Wild God" e "Song of the Lake" abrem a noite, ou não fosse o último álbum o foco do concerto (com a sua maior ligação à luz, em contraponto com a escuridão dos álbuns anteriores). De regresso a 2004 e dedicado "…às crianças a quem continuamos a falhar na missão de deixar um mundo decente", senta-se ao piano para "Oh Children". Também com dedicatória, desta vez a "uma rapariga chamada B", segue-se o hit "Jubilee Street" e a velhinha "From Her to Eternity".
Nick Cave na MEO Arena @ Gonçalo Silva®
De regresso ao último álbum, mais duas canções belíssimas "Long Dark Night" e "Cinnamon Horses" antes da tempestade que é "Tupelo" a evocar o nascimento do rei Elvis Presley na pequena cidade de Tupelo, Mississipi em noite de violentos trovões e relâmpagos, como que a anunciar a vinda de outro deus.
"Conversion" faz o desnecessário: converter-nos à religião dos Bad Seeds e do seu preacher Nicholas Cave, pois já há muito ele nos agarrou. Ainda a pregar aos fiéis, "Bright Horses" do álbum Ghosteen, que conta com o falsete de sereia de Warren Ellis, e "I Need You" sãos as únicas passagens pela evocação à tragédia e luto dos álbuns anteriores, entrecortadas por "Joy" que faz a ligação entre eles e o novo registo com a sua ironia sombria.
A reta final fez-se com 2 passagens por "Carnage" de Nick e Warren, com o tema título e ainda "White Elephant" a terminar a parte principal do concerto, não sem antes passar por "Final Rescue Attempt", "Red Right Hand" conhecido por todos através da banda sonora da série "Peaky Blinders" e "The Mercy Seat".
No primeiro encore tivemos uma homenagem a Anita Lane, fundadora dos Bad Seeds e ex-namorada de Nick falecida há pouco tempo, em "O Wow O Wow (How Wonderful She Is)" e talvez a canção menos inspirada do alinhamento. Falta de inspiração não tiveram "Papa Won't Leave You Henry" e a magistral "The Weeping Song" acompanhada por palmas a compasso orquestradas pelo maestro Cave.
De volta para um segundo encore a solo e ao piano, "Into My Arms" mostrou o que o australiano passa nos seus concertos: intensidade e vulnerabilidade, luz e sombra.
E na despedida, uma promessa: não vão demorar tanto tempo a voltar ao nosso país!
Texto: Miguel Lopes
Noite e Música Magazine na MEO Arena com o apoio dos hotéis Holiday Inn®
Inserido por Redação · 29/10/2024 às 11:31