Miguel Angelo em entrevista: "Deixei de comprar CDs e voltei a adquirir vinil"
Estivemos à conversa com Miguel Angelo, ex-vocalista dos Delfins que acaba de editar o seu Segundo trabalho a solo:
Noite e Música – Como descreves estes mais de 30 anos de carreira?
Miguel Angelo – Já o fiz parcialmente quando editei a minha autobiografia aquando dos 25 anos de carreira com os Delfins. Há sempre lembranças e memórias mas eu não sou nada saudosista. Neste momento estou muito mais concentrado na minha carreira a solo do que a relembrar os 25 anos de carreira com os Delfins. O que posso dizer destes anos é que foram de muita aprendizagem, de prazer e muito trabalho, sempre na tentativa de apurar a escrita de uma canção pop, em português, que é o que faço praticamente desde o princípio.
NM – O futuro do Miguel Angelo é então a solo?
MA – Sim. Comecei em 2012 com o Primeiro e prometi uma trilogia, daí este segundo álbum após o fim dos Delfins se chamar Segundo. Quando planeei esta trilogia tinha que ver com o meu futuro e com o conseguir criar um conjunto de canções… Nos espetáculos vou sempre revisitando alguns temas dos Delfins e alguns mais antigos com muito gosto, mas estes primeiros anos a solo vão ser de escrita de canções e de procura de outras linguagens musicais para seguir com a minha carreira.
NM – Como descreves este Segundo trabalho?
MA – É o segundo capítulo desta trilogia como disse. O Primeiro era um disco mais solitário, mais intimista, ainda a viver da ressaca do fim dos Delfins. Este Segundo apesar de ser a solo é um disco de banda, onde estão estes músicos que me acompanham desde 2012. Foram muitos concertos, muita estrada e este trabalho tem uma linguagem mais de banda, mais pop, mais elétrica. No anterior procurei outros timbres, ate para fugir do som dos Delfins como o violoncelo, o violino, o acordeão, a tuba, coisas mais próximas da folk e neste novo tenho as guitarras, o baixo e a bateria… É um disco maior, até para o palco.
NM – A capa do Segundo remete-nos para o passado. Fala-nos sobre ela.
MA – Remete o passado por várias razoes. Uma delas é por estar lá a minha mãe e a sala onde eu cresci, logo aí remete para os primeiros anos em que planeei a minha carreira como músico, onde escrevi muitas canções do início dos Delfins. Por outro lado é também uma referência a uma coleção de fotografias da década de 70 que descobri há alguns tempos, onde vários músicos eram fotografados na casa dos pais; desde o Elton John ao Frank Zappa, e achei que contrariava um bocadinho o espírito do rock star que é muito independente, muito alternativo e colocava-os ali junto das raízes, em salas muito kitsch, com os bibelots, que fazem parte do meu imaginário de criança. Acabei por fazer esta espécie de homenagem à minha mãe e aproveitei para decalcar esta série de imagens que tinha visto e que pertencem à cultura pop pelo qual sou apaixonado.
NM – Por falar em passado, o álbum foi apenas editado na sua forma física em vinil. Porquê?
MA – Apesar do vinil ter sido o formato por algumas décadas é um formato que está a regressar, mesmo junto da camada mais jovem. O número de gira-discos que se vendem em Portugal é incrível. Foram 15 anos de desmaterialização da música, começados com os mp3, as partilhas de ficheiros, agora o streaming e passados estes anos volta-se a sentir a necessidade de ter o objeto e de usufruir da música de outra maneira, de uma forma mais disponível. O vinil obriga-nos a ouvir a música com disponibilidade; chegar a casa, tirar o disco, pôr a agulha, sentar-nos. Contraria a velocidade dos spotify's e outras plataformas onde já não se ouvem álbuns, ouvem-se playlists, de headphones, nos transportes públicos. Isto é criar um momento especial… Eu próprio voltei a consumir vinil desde 2007/2008, deixei de comprar CDs e voltei a adquirir este objeto nobre, com uma boa capa, uma boa fotografia (lá está a história da fotografia). Hoje em dia é quase irrelevante lançar CDs porque não vendem quase nada, assim achei que devia de fazer um objeto que goste e que tenha tradição, mas que também seja a escolha do público jovem que é fã de música.
NM – O trabalho começa exatamente da mesma forma como acaba; com duetos. Quais as colaborações e os respetivos motivos?
MA – Neste caso a abertura é uma versão de "O Vento Mudou"; um tema português de 1967 cantado na altura pelo Eduardo Nascimento. A história é só esta, os Delfins começaram a carreira em 1984 com um single em vinil também onde o lado B era uma versão que nós fizemos de "O Vento Mudou". Passados estes anos todos quando comemorei aqui na baía de Cascais os 30 anos de carreira, convidei muita gente e lembrei-me de ir à procura do Eduardo Nascimento que achei que seria interessante saber se ele ainda cantava e convidá-lo para abrir aquele desfile de convidados. Consegui encontrar o Eduardo, ficou entusiasmadíssimo, percebi logo que ele ainda cantava e muito quando veio aos ensaios e a ideia inicial era mesmo fazer apenas este encontro no espetáculo ao vivo mas o facto de aquilo ter resultado muito bem e de toda a gente ter aplaudido aquele momento fez-me pensar. Foi o início dos Delfins, o ponto alto da carreira do Eduardo Nascimento e então gravámos, acabando por ser um dos singles do Segundo. Em relação ao tema final, a Nicole Eitner é uma pessoa que esteve também próxima dos Delfins, é cantora da versão original de "Naquele Inverno", já tínhamos cantado muitas vezes em estúdio mas nunca em dueto. Neste momento ela está também na sua carreira a solo, a editar o seu terceiro álbum e é uma cantautora muito interessante e achamos que tinha chegado a altura de fazermos um dueto. Confesso que este é um disco de guitarras e queria ter um momento de despedida do álbum do lado B com outras sonoridades e como a Nicole também é pianista aproveitámos e fizemos um dueto apenas com piano.
NM – O que podemos esperar de ti nos próximos meses?
MA – Para já espetáculos de apresentação do álbum em teatros e auditórios que são sempre lugares onde gosto de fazer o arranque. Falei à pouco da disponibilidade das pessoas em ouvir um vinil… quando as pessoas compram um bilhete para ir a um teatro ouvir um concerto estão também recetivas a ouvir coisas novas. Um concerto numa festa de verão ou num festival de verão as pessoas já querem ouvir músicas conhecidas para se cantar e se divertirem. No teatro há mais abertura do público e eu gosto de começar a tocar as canções novas nesses ambientes. Até dezembro estarei a fazer uma tour em teatros e auditórios. Claro que terei alguns espetáculos de verão. Em junho tenho um muito importante em Paris que tem a haver com o aniversario da Rádio Alpha, um espetáculo onde costumam estar cerca de 30 mil pessoas e é uma loucura. Vai ser o primeiro banho de multidão desta digressão, mas para já vou-me concentrar em marcar o maior número de concertos em teatros e auditórios.
NM – No futuro existe da tua parte vontade de voltar a juntar os Delfins como aconteceu recentemente com os Resistência?
MA – Como os Resistência penso que será difícil, por uma série de razões. As pessoas estão a fazer outras coisas… Com os resistência houve essa oportunidade, todas as pessoas se mantiveram ativas na música e conseguimos conciliar. Com os Delfins, nunca digo que não haja uma reunião do grupo ou algo do género. Imagina assinalar-mos os 20 anos de um álbum e fazer um espetáculo comemorativo desse trabalho que é uma coisa que acho muita piada, ver outros artistas a recriar um álbum antigo ou uma tourné antiga. Agora se me perguntares diretamente em relação ao reacender da carreira eu acho isso muito difícil de acontecer. No futuro poderá haver um reencontro da banda para uma ocasião especial, mas só isso. Também acabamos há muito pouco tempo e a minha carreira a solo só começou em 2012… Ainda é muito pouco tempo.
Entrevista: Bruno Silva
Inserido por Redação · 21/05/2015 às 13:23